Amor de Lobos 

por Quim Nogueira

... Seriam cerca das 3 da madrugada quando na esquina da velha igreja daquela velha aldeia lá muito ao norte, quase a perder de vista a sua própria existência, se juntaram em silêncio quatro esbeltas mulheres de longos cabelos à solta, todas elas vestidas de branco... um branco alvo, como vestidas de noivas, sem véus nem grinaldas mas de branco... sentia-se um vento meio gélido naquele campo verde que se estendia para além das traseiras daquela velha igreja daquela velha aldeia... mas não se notou qualquer tremor de frio em nenhuma daquelas quatro esbeltas mulheres... a cor dos seus corpos roçava a cor do leite que, momentos antes haviam bebido dum mesmo canado... seus olhos negros, profundos, brilhavam quando os raios do luar daquela lua cheia lhes batiam nas faces em todo o seu fulgor... era uma lua grande, de prata, brilhando num brilho baço mas ao mesmo tempo ofuscante... deram-se as mãos umas às outras e continuaram o seu caminho... para trás ficava tão-somente um cheiro a flores... seus pés estavam nus e pareciam caminhar por sobre a erva daninha daquele campo verde... lá ao longe, um pouco mais para cima, divisava-se um morro e, no cimo desse morro, uma frondosa árvore erguia os seus ramos numa espécie de posicionamento de espera e de aceitação... como que esperando por elas e pronta a abraçá-las... o silêncio era total e entre elas não se ouvia um único som... quem as visse de longe para cá daquela velha igreja daquela velha aldeia, pensaria que as quatro visões voavam, ou pelo menos deslizavam...

...cada uma das que ficavam na ponta levava um cesto de verga coberto por pano branco de linho feito... ...e eis que chegaram aos pés da árvore...

...pousaram os dois cestos de verga no chão e deram-se as mãos num círculo que abraçou o tronco da árvore frondosa... num misto de magia, a árvore como que se baixou sobre elas, como que cobrindo-as num acto fálico enquanto as suas folhas roçavam os seus corpos...

...dos cestos, depois de terem desfeito o círculo, tiraram algo que não era visível aos olhos dos outros seres humanos e que não era possível descrever...

...entretanto, algures, num outro ponto daquela aldeia, deitado numa cama de doces sonhos, um homem alto, bem constituído fisicamente, com o corpo nu coberto de pêlos negros, dormia e via-se que estava possuído por algum sonho de lascivo prazer pois notava-se, através da roupa da cama que o cobria, que o seu sexo estava excitado e algumas gotas de suor cobriam-lhe o peito forte...

...repentinamente, num passe de feitiço, esse "sonho" transportou-o para os pés daquela árvore frondosa onde se encontravam as quatro mulheres lindas vestidas de branco... ele olhou para ele mesmo e viu-se nu, tal como viera ao mundo e ao ver aquelas mulheres instintivamente levou as mãos numa tentativa de tapar o seu sexo erecto...

... a partir desse momento aquele homem entrou num espanto e seus olhos não queriam crer naquilo que estavam a ver...

... elas começaram-se a despir e apenas tinham aquele vestido branco sobre as suas peles acetinadas cor de leite... e ele olhava... elas começaram a sorrir e os seus sorrisos eram como um convite ao sonho... daqueles cestos retiraram uns frascos que continham vários fluidos e começaram a untar os seus corpos... e ele olhava e começava a compreender o que via... elas fizeram-no ver... uma untava-se de mel, uma outra de leite puro de ovelha, uma outra de água salgada do mar e a outra de um creme que cheirava a jasmim... e ele não resistiu e o sexo tornou-se novamente erecto e o seu corpo parou de tremer...

... aqueles corpos untados cintilavam quando os raios da lua cheia lhes batiam na pele e elas continuaram com o ritual... todo o seu corpo foi untado, incluindo os seios, o pescoço, as pernas,... apenas os cabelos soltos ficaram secos...

...então, elas aproximaram-se daquele homem e roçaram-se por ele de tal forma que o corpo dele ficou totalmente embebido daquela mistura de fluidos...apenas as mãos dele ficaram secas... e num acto quase que instintivo elas se deitaram no chão sobre os vestidos brancos que faziam de leito, o leito do amor, o leito da procura do amor, o leito da descoberta do amor... e ele misturou-se com elas e começou a possui-las, uma a uma, e também numa mistura arbitrária de escolha... o seu corpo confundia-se agora com o corpo delas e já não existiam quatro mulheres ali... apenas existia uma única mulher onde ele se fundia numa escolha impossível... os ventres juntavam-se e os costados também... ele tomou-as por detrás agarrando-se aos cabelos delas com as suas mãos possantes e puxava as cabeças delas num misto de prazer e dor, de agonia e êxtase, como se tudo se pudesse perder num só instante, numa avidez de gozo indescritível ... de repente ele sentiu os diversos odores que o cercavam e aos poucos foi deixando uma a uma até que ficou olhando aquela que cheirava a mar... e, nesse momento, algo de mágico se passou: um raio de luar atingiu-o e ele numa nova forma de sentir, viu lentamente o seu corpo transformar-se em lobo, um corpo coberto de pêlo, sedoso, negro e brilhante, ao mesmo tempo que a mulher que cheirava a mar se posicionava como fêmea do lobo... e ele agarrou-a pelos cabelos, puxando a sua cabeça para o seu peito e com firmeza penetrou-a fundo num acto de posse total, num acto de prazer inimaginável onde a fusão foi possível tão-somente por magia... o seu corpo ofegou e o instinto animal veio ao de cima e, no mesmo momento em que lambia todo aquele mar, ele, num último uivo lancinante de prazer, espalhou sobre ela todo o fruto do seu amor... então os corpos misturaram-se e apenas se divisava um casal de lobos fazendo amor... os seus corpos não conseguiam parar e num espasmo final ela transformou-se em maresia, como que alva espuma misturada com o fluido dele...

...então, naquele silêncio de corpos amando-se, um último uivo, não o dele mas o dela, fez-se ouvir por aquela encosta abaixo, no preciso momento em que os primeiros raios de sol começavam ao longe, bem perto daquela velha igreja daquela velha aldeia, a despontar...

...nesse momento, o homem acordou de repente na sua cama, olhou e viu: uma mulher linda, vestida de branco, dormia profundamente ao seu lado..."

Quim Nogueira
Lobices

 

a funda São - serviço púbico - 2004

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