Egevides da hortaliça
Vivia
à janela. O tempo corria lentamente para ela. Há muito que o
companheiro a tinha trocado por um dia de pescaria com os amigos. E não mais
tinha voltado.
Ela também não era flor que fosse de cheiro fácil. Era vendedora de hortaliça.
E fazia alarde em se saber que vivia no meio das suas pencas.
Gostava muito de verduras. E nas sopas que fazia não retirava nunca as nervuras
dos tronchos das couves que a horta dela dava. Mas aquela vida passada entre o
mercado, o quintal e a janela... não era vida para ela. Era... mas não lhe
bastava. Até porque só tinha 38 anos. Não é de forma alguma idade para estar
a ver o tempo passar.
Quem lhe passava regularmente por debaixo da sacada era o Sr. Asdrúbal
Carpinteiro, homem de sorriso fácil e fino trato. Solteirão. E com oficina
montada. Não era homem de ter patrão.
- Olá, Egevides. Já foi tudo p'ró mercado? Acabou a liça? Olha que tu não
és mulher p'ra ver o tempo passar por ti...
- Deixa-me cá, Asdrúbal, ando a ficar tão aborrecida... não é que fosse
grande coisa, mas a porra do caralho do Berto anda-me a fazer cá uma falta!...
Não é que seja propriamente ele, mas tu cá me entendes...
- Não me fodas, ó Egevides! Caralho, tu és uma gaja muito boa, tu só tens
falta porque queres. Não me fodas... caralho!
- Sabes como é... tenho medo de cair nas bocas do povo e ficar por aí falada.
Gosto de foder... mas não quero que me achem uma puta. O filho da puta nem
filhos me deu, mas sabes como é o caralho do povo...
- Foda-se!... Quer dizer, eras agora obrigada a ficar com a cona só p'ra mijo só
porque o caralho do Berto deu à sola?!... Fodaaaaa-se! Olha lá... a gente os
dois sempre fomos de brincar muito um com o outro... mas ouve lá... até se me
está a dar um nervoso, ó Egevides, mas tu... porra, caralho, eu não sou um
estranho p'ra ti, mas tu importas-te que daqui a pouco eu venha a tua casa ver
as cadeiras da cozinha, que estão a abanar? Há muito que andava p'ra te dizer
isto, mas sabes como é... agora a conversa vai no ponto... e caralho, tenho de
te dizer o que penso e sinto. E, além do mais, não devemos nada a caralho
nenhum. E bem sabes que não sou de merdas.
- Ó Asdrubal, foda-se... nem sei o que te diga. És tão maluco!...
- Volto já, caralho. Deixa-me dar ali um recado que já te bato à porta p'ra
ver os armários da cozinha.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Quando o Asdrúbal voltou, não se chegou a saber se os armários e as cadeiras
da cozinha ficaram desempenadas ou não, mas uma coisa é certa: o olhar alegre
da Egevides só deixou antever que tinha tido uma grande tarde de foda. Os bicos
das mamas, para quem os viu de seguida, não eram bicos... eram pontas de aço
carregadas de tesão. E souberam-no... porque alguem tocou à porta... para
comprar hortaliças.
Jorge Costa
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